domingo, 3 de junho de 2012
A VOLTA DO ZÉ DO TELHADO.
AINDA BEM QUE PAREI!
Não é a primeira
vez que o faço, mas, hoje, foi diferente. Obsidiado pela ideia de participar no
“blogue Novelartecine”, que tem “postado” uma longa memória acerca do Zé do
Telhado, aquela casa esbarrondada, ao abandono, e com o colmo da cobertura todo
apodrecido, à qual chamam “Casa do Zé do Telhado”, povoou-me literalmente a
memória de personagens e trágicos acontecimentos.
Todo o percurso de
regresso a casa, meditei, discuti, gesticulei, como se, embora sozinho, várias
pessoas comigo viajassem.
As imagens, naquela
casa invocadas, acompanharam-me... não me saem da cabeça.
Ah! Como avulta
nestas imagens a figura de Ana Lentina, ali, abstraída, a olhar os longes do
Marão. Que ansiedade lhe enche de pavor o olhar, ao contemplar aqueles obscuros
longes!
Coitada! Anda por
lá, por aqueles ermos, fugido, o seu homem, acusado do assalto à Casa de
Cadeade, em Baião.
Pobre Ana Lentina!
Como eu te vejo, à luz do meu pensamento, nesse teu semblante, aí, mortificada.
Não te conformas! Aquilo deve ser trama do Sr. Adriano da Picota, Administrador
do Marco de Canaveses, que quer desgraçar o teu homem. Serve-se do lugar que
ocupa para o acusar e perseguir, só por inveja e vingança, fazendo-o andar,
como um desgraçado, fugido, por aqueles ermos agrestes, exposto, sabe Deus, a
que perigos.
Assim é, Ana
Lentina! De facto, a cega ambição política do Administrador do Marco, Sr.
Adriano da Picota, que quer ser (e vai ser) Governador Civil de Bragança, conta
muito nisto tudo, mas não te enganes...
Há alturas na vida
que fatalidades dominadoras, às quais temos que obedecer, nos levam por
caminhos que não queríamos, e que, em certos casos, é mais fácil, muito mais
fácil, não começar do que parar. E o teu homem, Ana Lentina, já começou!
Tu não sabes e,
inconsolável, estala-se-te de dor o coração. Também a mim me dói, comovido e
indignado, por conhecer bem a tua vida no passado e no futuro. O teu passado,
conheço-o espelhado nas palavras de Camilo que pessoalmente conheceu teu
marido. “Ditosos derivaram os primeiros anos daquele suspirado enlace. Zé do
Telhado era querido dos vizinhos, porque aos ricos nada pedia e aos pobres dava
os sobejos da sua renda e do seu trabalho de castrador”.
O teu futuro,
vejo-o aqui, nitidamente, nesta tenebrosa imagem que me não sai da memória.
No tribunal do
Marco de Canaveses, Zé do Telhado é condenado a degredo perpétuo. À entrada,
nas escadas do tribunal, Ana Lentina, decrépita, flagelada pela doença, com a
face encostada ao rosto descarnado de seus filhos famintos, roga, de mãos
erguidas, que lhe não tirem de si o pai dos seus meninos, o único amparo da sua
vida.
Ah! Pobre Ana
Lentina! Como me entristeço, ainda hoje, ao escrever isto...
Tu não sabes. És
uma mulher simples, de boa-fé, mas nada pode obstar ao desterro do teu homem. O
bruto sentimento de vingança de alguns “senhores” da terra, não comporta outro
desfecho.
Pobre Ana Lentina!
Que revolta se me lavra no espírito, ao ver-te, ali, votada ao maior desprezo,
naquelas escadas do tribunal...
Os teus filhos,
coitadinhos, pedem-te inutilmente pão. E tu choras, vendo, com o coração
despedaçado de dor, o teu homem no meio dos guardas, de mãos atadas à corda, a
ser levado para sempre.
Pobre Ana Lentina!
Que vai ser de ti, mulher?
Não vou continuar.
Não posso conviver mais com estas imagens que me deprimem dolorosamente até às
lágrimas. Mas também não é preciso continuar...
O que aconteceu, a
seguir, deixou-o dito António Nobre na sua obra o “Só”:
“O Zé do Telhado morara
ali perto:
A triste viúva
A nossa casa ia pedir,
era certo...”
José Silva
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